Ah, a cozinha do Vietname! Um deleite que acaricia todos os sentidos, verdade? Deixem-me segredar-vos o motivo do seu encanto: uma harmonia de ingredientes que se entrelaçam num bailado gracioso.
Imaginem, se quiserem, uma galeria de fragrâncias requintadas. Entre elas destacam-se os aromas do pho, com notas de hortelã, coentros, culantro, erva-príncipe, ossos de vaca que perfumam delicadamente o caldo e – sim, adivinharam – o ingrediente-chave: o molho de peixe.
Prometo conter-me, mas como ignorar o molho de peixe? Ele é, afinal, a espinha dorsal da gastronomia vietnamita.
De norte a sul, cada região encontra um equilíbrio subtil entre aromáticos, especiarias, doçura, acidez e, claro, o omnipresente molho de peixe. Chega mesmo a surgir, inesperadamente, no bœuf loc lac, bem acompanhado de tomates.
Perdoem-me se volto a dar protagonismo ao molho de peixe, mas ele é, de facto, o mestre-de-cerimónias na rica tapeçaria culinária vietnamita.
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Um pouco de geografia do Vietname

Para nos deixarmos embalar pelos sabores vietnamitas, convém começar com uma breve viagem pelo globo.
Imaginem uma serpente elegante a desenhar um majestoso «S» — assim é o Vietname, quase tão estreito quanto a nossa conhecida Itália.
A norte, pisca o olho à China; a oeste, inclina-se perante o Laos e o Camboja; a leste, abraça o Mar da China.

Com um litoral que se alonga preguiçosamente por mais de 3 000 quilómetros, o país abraça Hanói, a norte, as imponentes montanhas centrais, a vibrante Cidade de Ho Chi Minh (a velha Saigão), a sul, e, no extremo, o delta do Mekong, esse fabuloso «cesto de arroz».
Eis o truque de magia: a cozinha do norte faz olhinhos ao vizinho chinês. Entre salteados e sopas de noodles, parece que wok e pauzinhos bailam sob as estrelas de Hanói. Um exemplo emblemático é o delicioso Bun Cha.

Subamos agora ao tapete voador e deslizemos rumo ao sul, onde o paladar se deixa influenciar por sabores tailandeses e cambojanos.
No sul, um tapete verde estende-se sob o céu tropical: arrozais sem fim, coqueiros de palmas ao vento, jaqueiras carregadas e hortas de ervas aromáticas dispõem-se como tesouros de um reino longínquo.
Desta abundância nasce um caleidoscópio de pratos, cada qual mais colorido. A sopa de melão amargo, por exemplo, é tão inesperada quanto deliciosa.
E há ainda o sussurro adocicado que embala os pratos do sul. Imaginem caldos que acariciam o palato com uma doçura discreta, como um pho que se deixa envolver por notas de caramelo. O açúcar de palma insinua-se em pratos salgados, conferindo-lhes um toque de ternura.
E que dizer dos rebuçados de coco, dos banh cam ou ainda do banh bo? Pequenas delícias que nos piscam o olho como estrelas num céu tropical.


Influências francesas na gastronomia vietnamita
É impossível falar da cozinha vietnamita sem evocar a colonização francesa, iniciada com a chegada dos missionários no século XVIII e concluída apenas em 1954.
O impacto foi duradouro: marcou o país, as pessoas, a arquitetura, a terra e, claro, os sabores. O legado mais evidente talvez seja o banh mi, servido numa baguete francesa.
Os vietnamitas fizeram seu este clássico francês e rechearam-no com porco grelhado, pastéis de peixe, sardinhas, coentros, cenouras em picles picantes e muito mais! Estes legumes marinados chamam-se do chua. O resultado tornou-se um símbolo incontornável da cozinha vietnamita.

O pho (lê-se «fô») é outro legado do período colonial: uma sopa onde noodles de arroz vietnamitas se banham em caldos de carne de inspiração francesa. Há quem defenda que «pho» seja uma adaptação fonética da palavra francesa «feu», de pot-au-feu. Na mesma lógica surge o pho vermelho, ou Bo Kho (guisado de vaca com erva-príncipe).
Conta-se que os colonialistas franceses abatiam grandes quantidades de gado para satisfazer o seu apetite por bife e que os engenhosos cozinheiros vietnamitas aproveitaram as aparas, ossos e miudezas rejeitados para criar o pho.

Curiosidade: em algumas famílias vietnamitas, a mãe avalia a futura nora pela mestria na preparação de caldos. Se o caldo for insípido, reprova-se a pretendente. Um verdadeiro mestre sabe em que ponto está o caldo apenas pelo aroma. Claro que nem todas as famílias mantêm esta tradição, mas a história é deliciosa.
Resumindo: no Vietname o caldo é coisa séria.
Elementos fundamentais da cozinha vietnamita: arroz e molho nuoc mam
No Vietname há dois pilares constantes à mesa: o arroz e o molho de peixe.

O Vietname é o segundo maior exportador mundial de arroz (logo após a Tailândia). Cultiva-se arroz em todo o território, sobretudo no delta do Mekong, a sul, capaz de alimentar os mais de 87 milhões de habitantes e ainda sobrar.

No Vietname o arroz surge ao pequeno-almoço, almoço, jantar e até nas sobremesas. E não se fica pelo simples arroz branco. Nada disso.
Surge em noodles, folhas de papel, papa, arroz glutinoso, arroz frito; há snacks de arroz tufado e até vinho de arroz. É quase impossível passar mais que umas horas no Vietname sem comer arroz.

Se nós recorremos ao saleiro, os vietnamitas recorrem ao molho de peixe. O nước mắm entra em marinadas, caldos, vinagretes, molhos para mergulhar nems… é, de facto, raro o prato que não o inclua.

O condimento nacional é o nước chấm: molho de peixe ligeiramente diluído com sumo de lima, açúcar, malagueta e alho. Também conhecido por molho nem ou nuoc cham; cliquem para a receita. Serve, entre outras coisas, para mergulhar nems caseiros de porco, nems de frango ou nems de camarão.

Diz-se no Vietname que o melhor molho de peixe vem de Phu Quoc, ilha próxima da fronteira cambojana.
As águas que rodeiam Phu Quoc são ricas em algas e plâncton, garantindo anchovas especialmente saudáveis. Embora se possa usar quase qualquer peixe para fabricar molho de peixe, diz-se que estas anchovas produzem o néctar supremo; o molho de Phu Quoc usa apenas anchovas pescadas localmente.

Aromáticos e especiarias do Vietname
A cozinha vietnamita abusa — no bom sentido — de ervas frescas, especiarias e aromáticos. Umas vezes perfumam uma panela fumegante de pho, outras enrolam-se em rolos de primavera ou escondem-se numa crepe banh xeo. Há-os em abundância.
Eis uma breve lista:
- Coentros : em saladas, sopas, rolos de primavera e afins. Usados sobretudo para finalizar. Há quem, por genética, lhes ache sabor a sabão.
- Hortelã : várias variedades proliferam no Vietname.
- Hortelã-peixe ou folha de peixe: Alguma vez provaram? O nome assenta-lhe bem: aroma e sabor intensamente… a peixe. Vão jurar que há peixe verdadeiro no vosso rolo de primavera.
- Manjericão : mais popular na Tailândia, mas também marca presença no pho.
- Folha de tília: verde viva e brilhante; os óleos são ligeiramente amargos.
- Erva-príncipe : sabor e aroma semelhantes ao limão. Usa-se em pratos doces e salgados, como estas espetadas de frango com erva-príncipe.

- Cebolinhas e chalotas
- Alho-verde: folhas planas com delicado sabor a cebola e alho.
- Folha de périlla: verde na face superior, arroxeada na inferior, sabor complexo que mistura alcaçuz, hortelã e limão numa só folha.
- Endro : pouco associado ao Sudeste Asiático, mas essencial no famoso prato de peixe Cha Ca, onde é tratado quase como legume.
- O arroz: no Vietname cultivam-se e consomem-se diferentes variedades de arroz.
- Curcuma: por vezes apelidada de «açafrão-dos-pobres», dá cor dourada viva a fritos e um ligeiro travo picante.
- Gengibre e galanga : dois rizomas omnipresentes na cozinha vietnamita.
- Canela Saigão: originária do Vietname, de sabor terroso, é essencial na preparação do pho.
- Polpa de tamarindo: agridoce, usada em sopas de noodles e caris.
- Rebentos de soja: servem de guarnição
- Cardamomo preto
- Mẻ: arroz fermentado delicioso, usado como condimento em muitos pratos
- Taro: utilizado em sopas
- Lírio-de-água
Charcutarias vietnamitas
Sim, existem! A mais famosa é o nem chua (e o respetivo arroz frito com nem chua), mas há muitas mais.